Livros falados sobre licitação

sábado, 5 de março de 2016

Licitações diferenciadas



Licitações diferenciadas

 
Por Flavia Daniel Vianna




 Além dos benefícios acima analisados, a LC 123 trouxe as chamadas “licitações diferenciadas” em seus artigos 47, 48 e 49. Diferentemente dos benefícios de regularização fiscal tardia e preferência na ocorrência do empate ficto (nos quais a LC 123/06 é autoaplicável), as licitações diferenciadas, para que sejam implementadas, exigem a existência de regulamentação por legislação específica do ente federativo:


Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.

 Na esfera federal, já existe a regulamentação específica: o Decreto nº 6.204 de 05 de setembro de 2007. No âmbito dos Estados, Municípios e Distrito Federal, para que as licitações diferenciadas sejam adotadas, deverá existir regulamento próprio disciplinando a matéria.

A primeira espécie de licitação diferenciada, prevista no inciso I do artigo 48, refere-se a contratação destinada exclusivamente as micro e pequenas empresas, cujo valor não exceda a R$ 80.000,00 (Oitenta Mil Reais).  Esta primeira espécie poderá viabilizar-se por licitações exclusivas às ME/EPP até 80 mil reais (ou seja, quando o valor total do certame licitatório não ultrapassar R$ 80.000,00) ou em relação a itens da licitação cujo valor seja igual ou inferior a R$ 80.000,00. Nesse sentido, Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelato Dotti:

Em licitações divididas em itens, lotes ou grupos, cada item representa uma licitação separada das demais, com julgamentos e adjudicações independentes.
(...)
Existindo itens (ou lotes/grupos) num mesmo instrumento convocatório, com valores iguais ou inferiores a R$ 80.000,00, para cada um deles o edital poderá regulamentar a exclusiva participação de entidades de menor porte, conforme preceitua o art. 48, I, da Lei Complementar nº 123/2006. Para os demais itens, com valores individuais superiores a R$ 80.000,00, o mesmo instrumento convocatório estenderá a participação às demais categorias empresariais do ramo do objeto em licitação (grande e médio porte), concedendo o tratamento privilegiado às entidades de menor porte na hipótese de ocorrer o “empate ficto” (art. 44 da Lei Complementar nº 123/2006).



A segunda espécie, trazida pelo inciso II, exige que o licitante contratado (empresa comum) promova a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte, para um percentual não superior a 30% do valor do contrato. O Decreto Federal autoriza a subcontratação em limites superiores, conforme o que for previsto no respectivo edital.

Ainda, a Lei Complementar prevê que os empenhos e pagamentos no caso da subcontratação, poderão ser destinados diretamente às ME ou EPP subcontratadas. Já, o Regulamento Federal, determina que os empenhos e pagamentos referentes às parcelas subcontratadas, serão destinados diretamente às ME ou EPP. O pagamento direto à ME/EPP subcontratada é criticado pela melhor doutrina, a exemplo de Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tullio Bottino, em comentário efetuado ao §2º do art. 48 da LC 123 (dispositivo este que autoriza o pagamento direto à micro ou pequena empresa subcontratada), sugerindo os juristas que o próprio edital de licitação expressamente faça a previsão de que o pagamento será efetuado sempre ao contratado (jamais à ME/EPP subcontratada):

O §2º estabelece a subversão total da regra da subcontratação, permitindo que os pagamentos aos subcontratados se faça diretamente sem passar pelo contratado.
Isso jamais é permitido, nem remotamente, na lei de licitações, art. 72, que mantém a responsabilidade do contratado por eventuais subcontratações que faça, autorizadas pela Administração. Se a responsabilidade é sempre do contratado, então, como admitir pagamento com dinheiro público a quem nem sequer é contratado?

Jamais, em hipótese alguma, sob o pretexto que for, poderá a Administração pagar a quem não é seu contratado, como o subcontratado não é. Se o legislador não sabe o que faz nem o que escreve – e de um Congresso como o de 2003 a 2007 não se esperava trabalho diferente -, alguém precisa saber o que faz. O edital deve deixar claríssimo que nenhum pagamento jamais será procedido ao subcontratado.



 Além disso, o Decreto impõe às licitantes a indicação e qualificação das ME ou EPP subcontratadas, a descrição dos bens e serviços a serem fornecidos, seus respectivos valores e a apresentação da documentação de regularidade fiscal e trabalhista das subcontratadas, no momento da habilitação, devendo ser mantida ao longo da vigência contratual sob pena de rescisão, aplicando-se o prazo para regularização previsto no § 1º do art. 4º do Decreto.

No caso de extinção da subcontratação, a sistemática adotada pelo Decreto traduz o seguinte procedimento:

1) A empresa contratada deverá notificar o órgão contratante;

2) A empresa contratada deverá substituir a subcontratada no prazo máximo de 30 dias ou demonstrar a inviabilidade da substituição, ocasião na qual ficará responsável pela execução da parcela originalmente subcontratada.

Caso não proceda dessa forma, a contratada terá rescindido seu contrato e ainda estará sujeita às sanções cabíveis.

Sobre a responsabilidade da contratada e subcontratada perante a Administração, importante saber:

Lembre-se que subcontratação não se confunde com cessão de contrato. Logo, o particular vencedor da licitação será o único obrigado em face da Administração Pública pela execução adequada e satisfatória do objeto contratado. O eventual inadimplemento absoluto ou relativo, imputável à ME ou EPP subcontratada, não pode ser oposto pelo particular em face da Administração Pública.





A terceira espécie de licitação diferenciada encontra-se no inciso III, do artigo 48, da LC 123, que consiste na reserva de cota de até 25% do total do objeto, para a contratação exclusiva de ME e EPP, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. Sobre essa espécie, o professor Marçal Justen Filhoargumenta que não existe impedimento a que as microempresas e empresas de pequeno porte participem também da disputa pelas cotas a elas não reservadas. Essa ideia encontra-se expressa no Regulamento Federal (§ 1º, Art. 8º).

O Decreto disciplina que o edital deverá prever, na hipótese de não haver vencedor da cota reservada, a possibilidade de ser adjudicada ao proponente vencedor da cota principal. Caso este se recuse, poderá ser adjudicada aos remanescentes, desde que pelo preço do primeiro colocado. Disciplina, ainda, caso a mesma licitante vença a cota reservada e a principal, a contratação da cota reservada deverá ocorrer pelo preço da principal, se o valor desta for menor do que o valor obtido na cota reservada.

As legislações objeto de estudo fornecem, também, restrições à aplicabilidade das licitações diferenciadas acima estudadas, a saber:

a) Limite de 25% do total licitado em cada ano civil - Caso o quantitativo chegue ao limite de 25% de determinado exercício, deverá cessar a adoção das licitações diferenciadas. Importante lembrar que esse limite deve ser aplicado em vista de cada categoria de objetos (e não tomar em vista o valor total das contratações). Portanto, para a aplicabilidade das licitações diferenciadas, é imprescindível a existência de planejamento.

b) Número mínimo de três fornecedores (microempresas ou empresas de pequeno porte), em condições de competir, sediados local ou regionalmente. Dessa forma:

A ausência de pelo menos três ME ou EPP em condições de plena competitividade conduzirá à não aplicação do regime de licitação diferenciada. Caberá aplicar a licitação comum.

c) Caso os critérios do regime diferenciado não forem expressamente previstos no edital, as licitações diferenciadas não poderão ser aplicadas, consoante artigo 49, I, LC 123. O Regulamento Federal, em seu artigo 10, também traz a exigência da previsão no instrumento convocatório.

d) Não poderão ser aplicadas as licitações diferenciadas, se o tratamento diferenciado não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

O Regulamento Federal dispõe que será considerada não vantajosa a contratação quando resultar em valor superior ao estabelecido como referência. Dessa forma, a Administração não poderá arcar com preços superiores aos usuais no mercado; caso a licitação diferenciada resulte em preços superiores, incompatíveis com os de mercado, a Administração poderá revogar a licitação.

Quanto ao prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto, Marçal Justen Filho orienta: 

Não serão cabíveis essas soluções quando a pluralidade de sujeitos a executar um objeto complexo ou um conjunto de objetos for propícia a comprometer a identidade e a funcionalidade dele. A pluralidade de sujeitos atuando para executar esse objeto complexo ou esse somatório de bens representará um risco de ausência de satisfatoriedade da prestação final. Isso pode ocorrer especialmente quando o objeto não for divisível em unidades absolutamente autônomas ou quando, mesmo existindo um objeto dissociável em elementos distintos, o funcionamento do todo depender da execução da prestação por um único e determinado sujeito.

e) Contratação direta - Exclui-se a adoção de licitações diferenciadas nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

No entanto, deve-se lembrar que, referente aos casos de dispensa de licitação, conforme já estudado no capítulo 1, item 1.4 desta obra, é facultada à Administração dispensar a licitação, se assim lhe convier. Isso posto, orienta Marçal Justen Filho que a vedação à aplicação da licitação diferenciada incidirá quando o órgão contratante resolver NÃO fazer a licitação, ou seja, se a licitação for viável, a Administração poderá adotar a solução prevista na Lei Complementar 123.

Por fim, cabe mencionar importantíssimo ensinamento de Carlos Pinto Coelho Mota:

[...] as razões da não-aplicação da LC 123/06, devidamente motivadas e aprovadas pela autoridade competente, deverão constar dos autos do processo licitatório, disponíveis aos interessados, consoante o art. 50, incisos III e IV, e § 1º da Lei 9.784/99. 

Devidamente analisadas as atualizações na matéria, trazidas pela LC 123/06, passaremos ao estudo das fases da licitação.


Fonte: Trecho retirado do Livro "Ferramenta contra o fracionamento ilegal de despesas - a união do sistema de registro de preços e pregão" - Publicado pela Editora SCORTECCI, Republicado pela Vianna.




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