Licitações
diferenciadas
Por Flavia Daniel Vianna
Além dos
benefícios acima analisados, a LC 123 trouxe as chamadas “licitações
diferenciadas” em seus artigos 47, 48 e 49. Diferentemente dos benefícios de
regularização fiscal tardia e preferência na ocorrência do empate ficto (nos
quais a LC 123/06 é autoaplicável), as licitações diferenciadas, para que sejam
implementadas, exigem a existência de regulamentação por legislação específica
do ente federativo:
Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos
Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as
microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do
desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação
da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica,
desde que previsto e regulamentado na
legislação do respectivo ente.
Na esfera
federal, já existe a regulamentação específica: o Decreto nº 6.204 de 05 de
setembro de 2007. No âmbito dos Estados, Municípios e Distrito Federal, para
que as licitações diferenciadas sejam adotadas, deverá existir regulamento
próprio disciplinando a matéria.
A primeira espécie de licitação diferenciada,
prevista no inciso I do artigo 48, refere-se a contratação destinada
exclusivamente as micro e pequenas empresas, cujo valor não exceda a R$
80.000,00 (Oitenta Mil Reais). Esta
primeira espécie poderá viabilizar-se por licitações exclusivas às ME/EPP até
80 mil reais (ou seja, quando o valor total do certame licitatório não
ultrapassar R$ 80.000,00) ou em relação a itens da licitação cujo valor seja
igual ou inferior a R$ 80.000,00. Nesse sentido, Jessé Torres Pereira Junior e
Marinês Restelato Dotti:
Em licitações divididas
em itens, lotes ou grupos, cada item representa uma licitação separada das
demais, com julgamentos e adjudicações independentes.
(...)
Existindo itens (ou lotes/grupos) num mesmo instrumento convocatório, com valores iguais ou inferiores a R$ 80.000,00, para cada um deles o edital poderá regulamentar a exclusiva participação de entidades de menor porte, conforme preceitua o art. 48, I, da Lei Complementar nº 123/2006. Para os demais itens, com valores individuais superiores a R$ 80.000,00, o mesmo instrumento convocatório estenderá a participação às demais categorias empresariais do ramo do objeto em licitação (grande e médio porte), concedendo o tratamento privilegiado às entidades de menor porte na hipótese de ocorrer o “empate ficto” (art. 44 da Lei Complementar nº 123/2006).
(...)
Existindo itens (ou lotes/grupos) num mesmo instrumento convocatório, com valores iguais ou inferiores a R$ 80.000,00, para cada um deles o edital poderá regulamentar a exclusiva participação de entidades de menor porte, conforme preceitua o art. 48, I, da Lei Complementar nº 123/2006. Para os demais itens, com valores individuais superiores a R$ 80.000,00, o mesmo instrumento convocatório estenderá a participação às demais categorias empresariais do ramo do objeto em licitação (grande e médio porte), concedendo o tratamento privilegiado às entidades de menor porte na hipótese de ocorrer o “empate ficto” (art. 44 da Lei Complementar nº 123/2006).
A segunda espécie, trazida pelo inciso II, exige
que o licitante contratado (empresa comum) promova a subcontratação de
microempresa ou empresa de pequeno porte, para um percentual não superior a 30%
do valor do contrato. O Decreto Federal autoriza a subcontratação em limites
superiores, conforme o que for previsto no respectivo edital.
Ainda, a Lei Complementar prevê que os empenhos
e pagamentos no caso da subcontratação, poderão ser destinados
diretamente às ME ou EPP subcontratadas. Já, o Regulamento Federal,
determina que os empenhos e pagamentos referentes às parcelas subcontratadas, serão
destinados diretamente às ME ou EPP. O pagamento direto à ME/EPP subcontratada
é criticado pela melhor doutrina, a exemplo de Ivan Barbosa Rigolin e Marco
Tullio Bottino, em comentário efetuado ao §2º do art. 48 da LC 123 (dispositivo
este que autoriza o pagamento direto à micro ou pequena empresa subcontratada),
sugerindo os juristas que o próprio edital de licitação expressamente faça a
previsão de que o pagamento será efetuado sempre ao contratado (jamais à ME/EPP
subcontratada):
O §2º
estabelece a subversão total da regra da subcontratação, permitindo que os
pagamentos aos subcontratados se faça diretamente sem passar pelo contratado.
Isso jamais é permitido, nem remotamente, na lei de licitações, art. 72, que mantém a responsabilidade do contratado por eventuais subcontratações que faça, autorizadas pela Administração. Se a responsabilidade é sempre do contratado, então, como admitir pagamento com dinheiro público a quem nem sequer é contratado?
Isso jamais é permitido, nem remotamente, na lei de licitações, art. 72, que mantém a responsabilidade do contratado por eventuais subcontratações que faça, autorizadas pela Administração. Se a responsabilidade é sempre do contratado, então, como admitir pagamento com dinheiro público a quem nem sequer é contratado?
Jamais,
em hipótese alguma, sob o pretexto que for, poderá a Administração pagar a quem
não é seu contratado, como o subcontratado não é. Se o legislador não sabe o
que faz nem o que escreve – e de um Congresso como o de 2003 a 2007 não se
esperava trabalho diferente -, alguém precisa saber o que faz. O edital deve
deixar claríssimo que nenhum pagamento jamais será procedido ao subcontratado.
Além disso, o Decreto impõe às licitantes a
indicação e qualificação das ME ou EPP subcontratadas, a descrição dos bens e
serviços a serem fornecidos, seus respectivos valores e a apresentação da
documentação de regularidade fiscal e trabalhista das subcontratadas, no
momento da habilitação, devendo ser mantida ao longo da vigência contratual sob
pena de rescisão, aplicando-se o prazo para regularização previsto no § 1º
do art. 4º do Decreto.
No caso de extinção da
subcontratação, a sistemática adotada pelo Decreto traduz o seguinte
procedimento:
1) A empresa contratada
deverá notificar o órgão contratante;
2) A empresa contratada
deverá substituir a subcontratada no prazo máximo de 30 dias ou demonstrar a inviabilidade da
substituição, ocasião na qual ficará responsável pela execução da parcela
originalmente subcontratada.
Caso não proceda dessa
forma, a contratada terá rescindido seu contrato e ainda estará sujeita às
sanções cabíveis.
Sobre a responsabilidade
da contratada e subcontratada perante a Administração, importante saber:
Lembre-se que subcontratação
não se confunde com cessão de contrato. Logo, o particular vencedor da
licitação será o único obrigado em face da Administração Pública pela execução
adequada e satisfatória do objeto contratado. O eventual inadimplemento
absoluto ou relativo, imputável à ME ou EPP subcontratada, não pode ser oposto
pelo particular em face da Administração Pública.
A terceira espécie de licitação diferenciada encontra-se no
inciso III, do artigo 48, da LC 123, que consiste na reserva de cota de até 25%
do total do objeto, para a contratação exclusiva de ME e EPP, em certames para
a aquisição de bens e serviços de natureza divisível. Sobre essa espécie, o
professor Marçal Justen Filhoargumenta que não existe impedimento a que as microempresas e empresas de
pequeno porte participem também da disputa pelas cotas a elas não reservadas.
Essa ideia encontra-se expressa no Regulamento Federal (§ 1º, Art. 8º).
O
Decreto disciplina que o edital deverá prever, na hipótese de não haver
vencedor da cota reservada, a possibilidade de ser adjudicada ao proponente
vencedor da cota principal. Caso este se recuse, poderá ser adjudicada aos
remanescentes, desde que pelo preço do primeiro colocado. Disciplina, ainda,
caso a mesma licitante vença a cota reservada e a principal, a contratação da
cota reservada deverá ocorrer pelo preço da principal, se o valor desta for
menor do que o valor obtido na cota reservada.
As
legislações objeto de estudo fornecem, também, restrições à aplicabilidade das
licitações diferenciadas acima estudadas, a saber:
a) Limite
de 25% do total licitado em cada ano civil - Caso o quantitativo chegue ao
limite de 25% de determinado exercício, deverá cessar a adoção das licitações
diferenciadas. Importante lembrar que esse limite deve ser aplicado em vista de
cada categoria de objetos (e não tomar em vista o valor total das contratações). Portanto,
para a aplicabilidade das licitações diferenciadas, é imprescindível a
existência de planejamento.
b)
Número mínimo de três fornecedores (microempresas ou empresas de pequeno porte),
em condições de competir, sediados local ou regionalmente. Dessa forma:
A ausência
de pelo menos três ME ou EPP em condições de plena competitividade conduzirá à
não aplicação do regime de licitação diferenciada. Caberá aplicar a licitação
comum.
c) Caso os critérios do regime diferenciado não forem
expressamente previstos no edital, as licitações diferenciadas não poderão ser
aplicadas, consoante artigo 49, I, LC 123. O Regulamento Federal, em seu artigo
10, também traz a exigência da previsão no instrumento convocatório.
d) Não
poderão ser aplicadas as licitações diferenciadas, se o tratamento diferenciado
não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao
conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.
O
Regulamento Federal dispõe que será considerada não vantajosa a contratação
quando resultar em valor superior ao estabelecido como referência. Dessa forma,
a Administração não poderá arcar com preços superiores aos usuais no mercado;
caso a licitação diferenciada resulte em preços superiores, incompatíveis com
os de mercado, a Administração poderá revogar a licitação.
Quanto
ao prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto, Marçal Justen Filho
orienta:
Não serão
cabíveis essas soluções quando a pluralidade de sujeitos a executar um objeto
complexo ou um conjunto de objetos for propícia a comprometer a identidade e a
funcionalidade dele. A pluralidade de sujeitos atuando para executar esse
objeto complexo ou esse somatório de bens representará um risco de ausência de
satisfatoriedade da prestação final. Isso pode ocorrer especialmente quando o
objeto não for divisível em unidades absolutamente autônomas ou quando, mesmo
existindo um objeto dissociável em elementos distintos, o funcionamento do todo
depender da execução da prestação por um único e determinado sujeito.
e)
Contratação direta - Exclui-se a adoção de licitações diferenciadas nos casos
de dispensa ou inexigibilidade de licitação.
No
entanto, deve-se lembrar que, referente aos casos de dispensa de licitação,
conforme já estudado no capítulo 1, item 1.4 desta obra, é facultada à
Administração dispensar a licitação, se assim lhe convier. Isso posto, orienta
Marçal Justen Filho
que a vedação à aplicação da licitação diferenciada incidirá quando o órgão
contratante resolver NÃO fazer a licitação, ou seja, se a licitação for viável,
a Administração poderá adotar a solução prevista na Lei Complementar 123.
Por fim, cabe mencionar importantíssimo ensinamento de Carlos
Pinto Coelho Mota:
[...] as razões da não-aplicação da LC 123/06,
devidamente motivadas e aprovadas pela autoridade competente, deverão constar
dos autos do processo licitatório, disponíveis aos interessados, consoante o
art. 50, incisos III e IV, e § 1º da Lei 9.784/99.
Devidamente analisadas as
atualizações na matéria, trazidas pela LC 123/06, passaremos ao estudo das
fases da licitação.
Fonte: Trecho retirado do Livro "Ferramenta contra o fracionamento
ilegal de despesas - a união do sistema de registro de preços e
pregão" - Publicado pela Editora SCORTECCI, Republicado pela Vianna.
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