1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE
LICITAÇÕES
Antes de focar o problema do
fracionamento ilegal nas licitações públicas e apresentar a proposta que visa
solucionar tal problema, cumpre esclarecer alguns aspectos essenciais sobre
licitações, para um melhor entendimento do tema.
Licitação, consoante
ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello:
É um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual
abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de
conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências
públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre
os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das
obrigações que se propõem assumir.
O procedimento licitatório
possui como finalidade a obtenção da proposta mais vantajosa à Administração
Pública, assegurando igual oportunidade a todos os interessados em com ela
contratar (ou seja, a observância do princípio da isonomia). Conforme leciona
Marçal Justen Filho, a vantagem que a Administração busca consiste na maior
qualidade da prestação, conjugada com o maior benefício econômico, ou seja, a
presença tanto de aspectos de qualidade, quanto de onerosidade. Nas palavras do
doutrinador:
A maior vantagem apresenta-se quando a Administração assumir o dever de
realizar a prestação menos onerosa e o particular se obrigar a realizar a
melhor e mais completa prestação. Configura-se, portanto, uma relação custo-benefício.
A maior vantagem corresponde à situação de menor custo e maior benefício para a
Administração.
Atualmente, a Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993, com suas alterações posteriores, regulamentando
o artigo 37, inc. XXI, da CF/88, estabelece as normas gerais acerca das licitações públicas e contratos
administrativos para toda a Administração Pública. É isso o que dispõe o art.
1º do Estatuto das Licitações.
A Constituição Federal de
1988 definiu claramente em seu art. 22, inc. XXVII, a competência privativa da
União para instituição de normas gerais sobre licitações e contratos
administrativos. Marçal Justen Filho
ensina que a expressão “normais gerais” consiste em um conceito jurídico
indeterminado, resultando de um lado, na existência de um núcleo de certeza
positiva - onde pode-se afirmar com precisão quais as normas efetivamente
qualificáveis como gerais na Lei 8.666/93 - e, de outro, uma zona cinzenta de
dúvidas. Quanto ao núcleo de certeza positiva, afirma o autor que o conceito de
normas gerais “compreende os princípios e as regras destinadas a assegurar um
regime jurídico uniforme para as licitações e as contratações administrativas
em todas as órbitas federativas”, com o fito de assegurar a padronização mínima
na atuação de toda a Administração Pública e a efetividade do controle tanto
pelos órgãos externos, quanto pela comunidade.
A Constituição Federal, em seu art. 22,
inc. XXVII, determina que a competência da União é privativa quanto à
instituição de normas gerais sobre
licitações e contratos administrativos. Isso significa que a União possui
competência privativa para instituir
normas gerais, cuja observância será
obrigatória para todos os entes federativos, ou seja, toda a Administração
Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tanto à administração
direta quanto indireta); significa, também, que tanto a União, quanto os
Estados e Municípios, possuem competência para instituir normas específicas,
com aplicabilidade restrita ao âmbito federativo de cada ente, desde que respeitem
os delineamentos das normas gerais veiculadas pela União.
Posteriormente
à Lei 8.666/93, houve o advento de uma nova modalidade de licitação denominada
pregão. A nova modalidade surgiu, inicialmente, com aplicação restrita à
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) pela Lei nº 9.472 de 16.7.1997 que
autorizava a adoção do pregão para aquisição de bens e serviços comuns (Arts.
54 a 57). Após, o pregão foi estendido a todas as agências reguladoras, pela
Lei Federal nº 9.986 de 18 de julho de 2000 (Art. 37).
Posteriormente,
foi editada a Medida Provisória nº 2.026, em 4 de maio de 2000, instituindo o
pregão apenas no âmbito da União. Esta MP foi reeditada por 18 (dezoito) vezes
e renumerada, até ser convertida na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 – Lei
do Pregão, com aplicabilidade à União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
Na
atualidade, o pregão é regulamentado, na esfera federal, pelo Decreto Federal nº
3.555 de 08 de agosto de 2000 (pregão presencial) e Decreto Federal nº 5.450,
de 31 de maio de 2005 (pregão eletrônico). Importante destacar que,
diferentemente das Leis 8.666/93 e 10.520/02 (que possuem aplicabilidade
nacional), tais Decretos possuem
aplicação restrita à esfera federal, não sendo automaticamente aplicáveis aos
Estados, Distrito Federal e Municípios, podendo estes baixarem normas próprias
nas respectivas esferas (inclusive, adotar em regulamento próprio, o da União),
desde que respeitados os delineamentos das normas gerais.
Ainda, em 2006, tivemos importantes inovações
a respeito da participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas
licitações públicas, com o advento da Lei Complementar nº 123, de 14 de
dezembro de 2006, trazendo benefícios às ME e EPP (arts. 42 a 49). A LC 123/06
foi posteriormente regulamentada pelo Decreto Federal nº 6.204, de 05 de
setembro de 2007, objetos de estudo no decorrer desta obra.
1.2 Princípios
A licitação possui
diversos princípios informativos, de observância obrigatória. A doutrina não é
uniforme quanto aos princípios aos quais a licitação se submete. Assim, serão
indicados os de maior relevância para o presente trabalho.
De acordo com Carlos Ari
Sundfeld,
os princípios são normas de hierarquia superior à das meras regras, sendo que
determinam a interpretação adequada destas e colmatação de suas lacunas (ou
seja, através dos princípios pode-se resolver problemas não previstos na
legislação). As regras jurídicas devem ser interpretadas e aplicadas à luz dos
princípios norteadores. Assim, em uma situação que possibilite a tomada de
diversas soluções, deve-se escolher a que melhor atenda aos ditames dos
princípios.
O art. 3º da Lei nº
8.666/93, prevê a observância dos princípios da isonomia, legalidade,
impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa,
vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo e demais
correlatos. Além disso, o art. 37 da Constituição Federal traz o princípio da
eficiência (acrescentado pela EC nº 19/1998).
O Princípio da Isonomia ou Igualdade consiste na ideia de que
todos devem receber tratamento paritário, em situações uniformes, não sendo
admitidos privilégios ou discriminações arbitrárias. Assim, é importante
salientar desde já, conforme ensinamentos de Marçal Justen Filho,
que a discriminação não é repelida, uma vez que para que a Administração possa
escolher o contratante e a proposta, há necessidade de diferenciação entre os
contratantes. O que se proíbe é a discriminação arbitrária, ou seja, a sem
justificativa, produzida por preferências subjetivas do administrador.
De acordo com lições de
Celso Antônio Bandeira de Mello, o
princípio da igualdade, além de consistir na obrigação de tratar isonomicamente
todos os licitantes, também significa ensejar a qualquer interessado que
atender às condições indispensáveis de garantia, a oportunidade de disputar o
certame, daí decorrendo a ideia de proibição do instrumento convocatório conter
cláusulas que frustrem ou restrinjam o caráter competitivo da licitação.
O Princípio da Legalidade vincula o administrador a fazer apenas
o que a lei autoriza, sendo que, na licitação, o procedimento deverá
desenvolver-se não apenas com observância estrita às legislações a ele
aplicáveis, mas também ao regulamento, caderno de obrigações e ao próprio
edital ou convite, segundo Hely Lopes Meirelles.
Ainda, considerando o disposto no art. 4º da Lei 8.666/93, todos quantos
participem da licitação, têm direito subjetivo à fiel observância do
procedimento estabelecido na lei, sendo que o licitante que se sentir lesado,
poderá impugnar administrativa ou judicialmente o procedimento. Até mesmo o
próprio cidadão poderá assim fazê-lo, através da participação popular no
controle da legalidade do procedimento, consoante Maria Sylvia Zanella Di
Pietro.
O Princípio da Impessoalidade, nas palavras de Diógenes
Gasparini, estabelece que “a atividade administrativa deve ser destinada a
todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem determinação de
pessoa ou discriminação de qualquer natureza”.
José Afonso da Silva fornece
outro significado a este princípio, referindo-se à impessoalidade quanto ao
agente público em sua atuação administrativa. Para ele, “o princípio ou regra
da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos e provimentos
administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão
ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário”.
Como exemplo deste segundo sentido, pode-se citar que os atos praticados por determinado
funcionário, que foi irregularmente investido no cargo ou função, são
considerados válidos, visto que são tidos como atos do órgão/entidade, e não do
funcionário/agente público.
O Princípio da Moralidade significa que a Administração
Pública, além de obedecer à Lei, deve respeitar a moral, adotar condutas
honestas. Além disso, lecionou Diógenes Gasparini, que o Tribunal de Justiça de
São Paulo trouxe a ideia de que a
moralidade administrativa e o interesse coletivo são indispensáveis para a
integração da legalidade do ato administrativo.
Tal princípio, para Celso
Antonio Bandeira de Mello,
está reiterado na referência ao princípio da probidade administrativa, sendo
que o procedimento licitatório deverá desenvolver-se pautado em padrões éticos,
onde Administração e licitantes devem apresentar um comportamento honesto.
Exceto quanto aos atos
que foram declarados sigilosos, o Princípio
da Publicidade obriga a divulgação dos instrumentos celebrados pela
Administração Pública, tornando transparente suas condutas e possibilitando o
conhecimento de todos os interessados, permitindo a fiscalização, bem como
iniciando o efeito dos prazos. Pelos ensinamentos de Carlos Ari Sundfeld,
a publicidade, na licitação, é essencial “na abertura do certame, para dar
conhecimento dele aos possíveis interessados; no descerramento dos envelopes,
para permitir o controle; quanto aos vários atos, para propiciar recursos e
impugnações; etc.”.
Pelo Princípio
da Vinculação ao Instrumento Convocatório, Administração e licitantes
vinculam-se ao estabelecido no edital ou carta-convite. Como afirmava Hely
Lopes Meirelles e demais doutrinadores,
“o edital é a lei interna da licitação”.
O Princípio
do Julgamento Objetivo obriga a Administração a efetuar o julgamento
das propostas com base nos critérios já definidos no instrumento convocatório.
Esse princípio nada mais é do que uma forma de afastar o subjetivismo do
julgador no momento do julgamento.
O Princípio da Eficiência é o princípio mais moderno incidente
na Administração Pública, trazido pela EC 19/98. Consiste no dever da
Administração realizar a função administrativa com rapidez (não sendo
justificável a inércia do Poder Público quando este deveria agir, podendo a
Administração, inclusive, responder civilmente por sua inércia), perfeição (no
sentido de evitar repetições e, consequentemente, reclamações por parte dos
administrados) e rendimento (tratando-se, este último, da relação
custo-benefício).
Quanto aos Princípios
correlatos, a lei se reporta a outros princípios, expressos ou implícitos.
A doutrina traz diversos outros princípios, aplicáveis ao procedimento
licitatório. Odete Medauar cita o princípio da competitividade, do
contraditório, da ampla defesa, formalismo moderado e verdade material.Sylvia Zanella Di Pietro faz referência aos princípios da ampla defesa e da adjudicação compulsória, sendo
que este último significa que o objeto da licitação só pode ser atribuído ao
vencedor da licitação, após concluído o procedimento licitatório. Observe que
esse direito do vencedor limita-se à adjudicação – a Administração não poderá
contratar com outra pessoa, enquanto estiver válida a adjudicação – não tendo
direito ao contrato imediato, pois, dentro dos limites legais, a Administração
pode revogar ou anular a licitação, ou mesmo adiar o contrato, conforme
ensinamentos de Hely Lopes Meirelles.
Este doutrinador traz também o princípio do sigilo na apresentação das
propostas, que apenas poderão ser abertas após a habilitação dos licitantes, na
data designada para abertura dos envelopes que as contenham.
Fonte: Trecho retirado do Livro "Ferramenta contra o fracionamento
ilegal de despesas - a união do sistema de registro de preços e
pregão" - Publicado pela Editora SCORTECCI, Republicado pela Vianna.
Curso
Completo de 60 horas com a Professora Flavia Vianna www.viannaconsultores.com.br/ead
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