Livros falados sobre licitação

terça-feira, 19 de abril de 2016

Irregularidade no SICAF

É POSSÍVEL A RETENÇÃO DE PAGAMENTO DO CONTRATADO POR SERVIÇOS DEVIDAMENTE PRESTADOS EM FUNÇÃO DE IRREGULARIDADE NO SICAF? 


Flavia Daniel Vianna 

INTRODUÇÃO 
O Registro Cadastral constitui um conjunto de arquivos, um banco de dados, que documentam a situação jurídica, fiscal, técnica e financeira das empresas que participam de licitações. O Registro Cadastral é um cadastro genérico, não objetiva (e nem teria como) uma licitação específica. Serve, na realidade, para verificação da documentação genérica dos licitantes, de acordo com os artigos 27 e seguintes da Lei 8.666/93, em relação aos documentos de habilitação, sendo de grande utilidade na habilitação jurídica e regularidade fiscal (tendo em vista que a qualificação técnica e econômico-financeira, apesar de poder ser parcialmente exigida no momento do cadastro, dependerá, para sua satisfação total, da licitação concreta, ou seja, do objeto que será efetivamente licitado). Portanto, o fato do licitante estar inscrito em determinado Registro Cadastral não significa sua habilitação na futura licitação. Isso ocorrerá se os documentos constantes do cadastro forem exatamente os mesmos exigidos para a habilitação. Contudo, se o edital exigir outros documentos de qualificação técnica e econômico-financeira não existentes no cadastro, o licitante terá que apresenta-los. É comum que mesmo o cadastrado tenha que apresentar outros documentos pertinentes ao objeto da licitação específica, para comprovar os requisitos exigidos no edital da licitação, como condição de habilitação. 
Quando o fornecedor faz sua inscrição em registro cadastral, recebe o Certificado de Registro Cadastral (CRC) que irá, então, dispensar a documentação que já foi entregue no momento do cadastro e desde que estejam dentro do prazo de validade. O Certificado de Registro Cadastral tem validade de até 1 ano1. Entretanto, a validade do registro não se confunde com o prazo de validade das certidões que vencem antes deste prazo e deverão ser renovadas dentro de sua respectiva data de validade: 

Lei 8.666/93: 
Art. 37.  A qualquer tempo poderá ser alterado, suspenso ou cancelado o registro do inscrito que deixar de satisfazer as exigências do art. 27 desta Lei, ou as estabelecidas para classificação cadastral. 

Estabelece a Lei nº 8.666/93 que, o registro cadastral deverá ficar permanentemente aberto a qualquer interessado, que queira nele se inscrever (§1º, art. 34) e que a Administração deverá, no mínimo uma vez ao ano, publicar na Imprensa Oficial e em jornal diário, chamamento público para a atualização dos registros existentes e para o ingresso de novos interessados. 
Faculta-se também, àquelas entidades que não possuam Registros Cadastrais, a utilizarem o cadastro de outras entidades. Mas, neste caso, o edital deverá trazer expressamente tal possibilidade e indicar de quais entidades aceitará o CRC.   

SISTEMA DE CADASTRAMENTO UNIFICADO DE FORNECEDORES (SICAF) 
O SICAF (Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores) foi instituído na Administração Federal, sendo o registro cadastral do Poder Executivo Federal, mantido pelos órgãos integrantes do SISG (Sistema de Serviços Gerais). É de uso obrigatório pelos órgãos e entidades do SISG (ou seja, Administração Federal Direta, Autárquica e Fundacional). Quanto aos demais, o SICAF poderá ser utilizado por qualquer órgão ou entidade pública de qualquer esfera governamental, gratuitamente, mediante adesão. 
Em relação ao fornecedor que pretenda cadastrar-se no SICAF, deverá primeiro efetuar um cadastramento pela própria internet e, posteriormente, levar toda documentação necessária em uma Unidade Cadastradora.  
Conforme notícia veiculada no próprio site do Compras governamentais: 
O Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF constitui o registro cadastral do Poder Executivo Federal e é mantido pelos órgãos e entidades que compõem o Sistema de Serviços Gerais – SISG (Decretos nº 1.094, de 23 de março de 1994 e nº 4.485, de 25 de novembro de 2002). 
O cadastramento no SICAF é realizado sem ônus, em qualquer Unidade Cadastradora – UASG localizada nas diversas Unidades da Federação e compreende os seguintes níveis: 
I – Credenciamento; II – Habilitação Jurídica; III – Regularidade Fiscal Federal; IV – Regularidade Fiscal Estadual/Municipal; V – Qualificação Técnica e VI – Qualificação econômico-financeira. 
O interessado deverá: 
a)consultar o Manual do Fornecedor disponível na opção Publicações/Manual; 
b)o fornecedor que já possui login e senha do Comprasnet deverá utilizá-los para iniciar o cadastramento, na opção Acesso Restrito/Fornecedor; 
Parte superior do formulário 
c)o fornecedor que ainda não possui login e senha deverá obtê-los na opção Acesso Restrito/Fornecedor no link disponível “Clique aqui”; 
Parte inferior do formulário 
d)acessar a Página Fornecedor e preencher os formulários eletrônicos relativos ao Credenciamento; 
e)preencher os formulários eletrônicos referentes aos demais níveis (opcional); e 
f)validar o cadastramento em uma Unidade Cadastradora, mediante apresentação da documentação exigida para cada nível disponível no Manual do SICAF. 

Atualmente, a Instrução Normativa nº 02, de 11 de outubro de 2010 (e suas alterações posteriores) estabelecem normas para o funcionamento do SICAF no âmbito do SISG. Apesar de muito esclarecedora, a Instrução Normativa deve ser interpretada em consonância com a Legislação sobre Licitações, sobretudo as normas gerais (diga-se, normas nacionais) estabelecidas na Lei nº 8.666/93, dentre outras.  
I – DA NÃO OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO (REGRA) 
Começamos salientando que, regra geral, o cadastramento no SICAF (ou qualquer outro Registro Cadastral) é sempre uma faculdade do licitante, não obrigação. É por isso que o instrumento convocatório não pode exigir que o licitante seja cadastrado no SICAF para participar de licitações, seja como condição de participação, seja como condição de habilitação. 
Sobre esse assunto o Tribunal de Contas da União possui entendimento pacífico pela Súmula 274:  
TCU, Súmula 274: É vedada a exigência de prévia inscrição no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF para efeito de habilitação em licitação. 
Porém, como toda regra, essa também não é absoluta. Existem exceções quando o cadastramento no SICAF será necessário para que o licitante consiga participar do certame. É o caso do pregão eletrônico que ocorre pelo Comprasgovernamentais (antigo Comprasnet) e da chamada “cotação eletrônica” instituída pela Portaria 306, de 13 de dezembro de 2001 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, para compra direta em função do pequeno valor realizada com fulcro no art. 24, inciso II, da Lei 8.666/93. Para participar destes dois procedimentos que ocorrem pelo Comprasgovernamentais, é necessário que o fornecedor já encontre-se devidamente cadastrado no Comprasgovernamentais, com Login e senha de acesso, caso contrário, sequer conseguirá participar do procedimento. E, para que consiga o cadastramento perante esse sistema, o fornecedor precisa estar cadastrado no SICAF.  
O SICAF possui níveis de cadastramento, que são os seguintes: 
Nível I – Credenciamento;  Nível II – Habilitação Jurídica;  Nível III – Regularidade Fiscal Federal;  Nível IV – Regularidade Fiscal Estadual/Municipal;  Nível V – Qualificação Técnica; e  Nível VI – Qualificação Econômico-Financeira.  
O nível I (credenciamento) é o requisito obrigatório para que o fornecedor seja considerado cadastrado no SICAF. Esse é o nível exigido dos fornecedores para entrarem em contato com o Comprasgovernamentais e solicitarem seu Login e Senha de acesso ao sistema.  Portanto, com o nível I, o fornecedor já consegue obter login e senha de acesso para participar dos pregões eletrônicos e cotação eletrônica promovidos no site do Comprasgovernamentais 
Entretanto, caso o fornecedor queira obter o CRC (Certificado de Registro Cadastral) visando a participação em Tomadas de Preços de órgãos/entidades que façam uso do SICAF, o CRC somente é emitido após a validação dos níveis I, II e III, devendo o fornecedor cadastrar-se até o nível III (este é o nível exigido, também, para regularizar pagamentos).  
O prazo que a unidade cadastradora possui para efetuar o cadastramento após a entrega da documentação pelo fornecedor, é de 3 dias úteis (art. 22, II, IN 02/2010). Feito o cadastramento, a revalidação e atualização de documentos no SICAF será considerada prioritária, tendo a Unidade Cadastradora o prazo de 1 dia útil para efetuar a operação (art. 22, §1º, IN 02/2010). 
Toda solicitação feita pelo fornecedor junto à Unidade Cadastradora, esta deverá  registrar o recebimento dos documentos e emitir um “Recibo de Solicitação de Serviço”, que será datado e assinado pelo servidor. No recibo irá constar qual alteração foi feita, data e nome do servidor responsável pela alteração.  

II – DA NÃO POSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DE PAGAMENTO DOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS EM FUNÇÃO DE IRREGULARIDADE NO SICAF 

A contratada tem o dever de manter as condições de habilitação durante todo o contrato, consoante determina a Lei nº 8.666/93: 

Lei nº 8.666/93 
Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: 
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação. 

Contudo não é possível que a irregularidade no cadastro sirva de subsídio para a Administração não efetuar o pagamento relativamente aos serviços devidamente prestados e adimplidos.  

A própria IN 2 de 11 de outubro de 2010 que regulamenta o SICAF, em seu art. 3º e parágrafos determina que a consulta ao SICAF é obrigatória previamente à emissão de nota de empenho e à formalização da contratação, ressaltando que no caso do licitante vencedor não ser inscrito no SICAF, e houver a necessidade de formalizar instrumento de contrato, a Administração deverá providenciar o cadastramento, sem ônus ao futuro contratado, com base na documentação de habilitação entregue. 
Além disso, prevê qual será o procedimento no caso do licitante estar irregular no SICAF:  
 Art. 3º (...) 
§ 4 º A cada pagamento ao fornecedor a Administração realizará consulta ao SICAF para verificar a manutenção das condições de habilitação. 
 I - Constatando-se, junto ao SICAF, a situação de irregularidade do fornecedor contratado, deve-se providenciar a sua advertência, por escrito, no sentido de que, no prazo de cinco (5) dias úteis, o fornecedor regularize sua situação ou, no mesmo prazo, apresente sua defesa; . 
 II - O prazo do inciso anterior poderá ser prorrogado uma vez, por igual período, a critério da Administração;  
 III - Não havendo regularização ou sendo a defesa considerada improcedente, a Administração deverá comunicar aos órgãos responsáveis pela fiscalização da regularidade fiscal quanto à inadimplência do fornecedor, bem como quanto à existência de pagamento a ser efetuado pela Administração, para que sejam acionados os meios pertinentes e necessários para garantir o recebimento de seus créditos;  
 IV - Persistindo a irregularidade, a Administração deverá adotar as medidas necessárias à rescisão dos contratos em execução, nos autos dos processos administrativos correspondentes, assegurada à contratada a ampla defesa; . 
 V - Havendo a efetiva prestação de serviços ou o fornecimento dos bens, os pagamentos serão realizados normalmente, até que se decida pela rescisão contratual, caso o fornecedor não regularize sua situação junto ao SICAF; . 
 VI - Somente por motivo de economicidade, segurança nacional ou outro interesse público de alta relevância, devidamente justificado, em qualquer caso, pela máxima autoridade do órgão ou entidade contratante, não será rescindido o contrato em execução com empresa ou profissional inadimplente no SICAF. . 

Portanto a própria Instrução Normativa prevê o pagamento pelos serviços ou fornecimento prestados, obviamente não poderia ser diferente, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. 
Cumpre trazer o entendimento majoritário das altas Cortes no sentido de que não pode a Administração suspender ou reter qualquer pagamento devido à contratante, que obviamente já executou a parcela contratual tendo obtido o seu recebimento definitivo, sob o argumento de irregularidade perante o cadastro do SICAF: 


ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RETENÇÃO DE PAGAMENTO POR IRREGULARIDADE PERANTE O SICAF. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. É firme a jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é ilegal a retenção de pagamento devido por parcela executada de contrato administrativo a fornecedor em situação de irregularidade fiscal, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (TRF-1 - AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CIVEL : AGRAC 235991220054013400) 

ADMINISTRATIVO. RETENÇÃO DE PAGAMENTO. SERVIÇOS REGULARMENTE CONTRATADOS E EFETIVAMENTE PRESTADOS. IRREGULARIDADE PERANTE O SICAF. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ENRIQUECIMENTO INDEVIDO DA ADMINISTRAÇÃO. 1. É ilegal a retenção de pagamento devido em função de serviços regularmente contratados e efetivamente prestados ao argumento de que a contratada está em situação irregular perante o SICAF, por ausência de previsão legal e por configurar enriquecimento ilícito da Administração Pública. 2. O artigo , § 1º , inc. I do Decreto 3.722 /01 impõe a consulta prévia ao SICAF tão-somente para identificar eventual proibição de contratar com o Poder Público, nada dispondo acerca da suspensão do pagamento de serviços regularmente contratados e prestados. 3. Remessa oficial improvida. (TRF-1 - REMESSA EX OFFICIO EM MANDADO DE SEGURANÇA : REOMS 26434 DF 2004.34.00.026434-6) 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RETENÇÃO DE PAGAMENTO POR IRREGULARIDADE JUNTO AO SICAF. IMPOSSIBILIDADE. Consoante jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, “apesar da exigência de regularidade fiscal para a contratação com a Administração Pública, não é possível a retenção de pagamento de serviços já executados em razão do não cumprimento da referida exigência, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e violação do princípio da legalidade, haja vista que tal providência não se encontra abarcada pelo artigo 87 da Lei 8.666/93” (AgRg no AREsp 275744/ BA). Apelação da União e remessa necessária desprovidas. (TRF-2 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO : APELRE 200851010282655 RJ) 

“A irregularidade e, registro do SICAF não impedirá o pagamento de serviço efetivamente prestado, ficando, porém, impedida a prestação de novo serviço até que a situação seja efetivamente resolvida” (Apelação Cível nº 2010.51.15.000077-0 8ª Turma – TRF 2ªRegiao) 

Tanto é possível e devido o pagamento ao contratado que possui irregularidade junto ao SICAF que o próprio Supremo Tribunal Federal assim assentou:  

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. IRREGULARIDADES JUNTO AO SISTEMA DE CADASTRAMENTO UNIFICADO DE FORNECEDORES. SICAF. SERVIÇOS EXECUTADOS. RECEBIMENTO. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA.AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO : ARE 751242 DF)


Fonte: Artigo Publicado na Revista Licicon – Ed. NP 2016

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