Licitação por preço unitário e global
Por Flavia Daniel Vianna e Ricardo Ribas Berloffa
O princípio da economicidade previsto no art.
3º, da Lei nº 8.666/93, estabelece que deve ser selecionada a "proposta
mais vantajosa para a Administração".
Para Marçal Justen Filho "a economicidade
impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da
gestão dos recursos públicos. (...) envolve o enfoque custo-benefício." Já para Bugarin, a economicidade é a
"obtenção do melhor resultado estratégico possível de uma determinada
alocação de recursos financeiros, econômicos e ou patrimoniais em um dado
cenário econômico."
Neste sentido, economizar nas compras públicas
consiste em reduzir ao mínimo possível o custo dos recursos utilizados para desempenhar
uma atividade a um nível de qualidade apropriado sem, contudo, restringir a
liberdade empresarial da empresa que participa do certame, para que possa
mensurar seus custos e pontos de lucro. Tudo na tentativa de escolher a melhor
forma de empregar recursos que são sempre escassos, com a finalidade de obter o
máximo de benefícios.
Nessa linha de entendimento, os preços
públicos devem balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e
entidades da Administração Pública, se compras, conforme art. 15, V, da Lei nº
8.666/93. Se execução de obras ou prestação de serviços, deve existir orçamento
detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários,
consoante art. 7º, II, da Lei nº 8.666/93, e que também, sejam aqueles praticados
pelo mercado.
Importante considerar que a estimativa também
tem por finalidade verificar se existem recursos orçamentários suficientes para
o pagamento da despesa com a contratação, servir de balizamento objetivo para o
ato de julgar as ofertas apresentadas na sessão e para a decisão da modalidade
a ser adotada (se o objeto não for comum, quando deverão ser consideradas as
modalidades da Lei nº 8.666/93, que possuem limitação valorativa no art. 23 de
referida Lei).
De toda forma, quando a licitação se dá pelo
preço global, os preços unitários devem ser utilizados apenas como indicadores
da exequibilidade da proposta apresentada, servindo para apontar se algum dos
itens da planilha foi relegado ou ignorado.
Assim, a exigência de planilha com a definição
dos preços unitários não teria o condão de condenar à desclassificação da
proposta que, tendo o preço global dentro da estimativa do mercado, possua
algum de seus itens internos em valor acima da média de mercado, uma vez que
esta definição interna de custos dentro da planilha integraria a liberdade de
gestão econômica do preço por parte da empresa licitante. Os preços unitários,
então, seriam importantes apenas para identificar as propostas inexequíveis,
aqui consideradas como aquelas que não contemplassem todos os custos inerentes
ao contrato, suprimindo ou minimizando alguns itens constantes da planilha.
Bem afirma Marçal Justen Filho que a questão fundamental não reside no
valor da proposta, por mais ínfimo que o seja – o problema é a impossibilidade
de o licitante executar aquilo que ofertou. Não cabe à Administração a tarefa
de fiscalização da lucratividade empresarial privada.
É importante mencionar que a
apresentação de planilha com detalhamento dos custos unitários e totais tem importância dentro do contexto de avaliação da proposta,
quando se necessita da maior quantidade de informações possível para fundamentar
sua análise a respeito da composição de custos desse item de despesa e,
portanto, se realizam diligências solicitando a apresentação da planilha
detalhada. Tal planilha possibilita a identificação, pela área técnica, dos
valores cotados para esses materiais, como elemento auxiliar do processo de
exame global da exequibilidade da proposta encaminhada, sem poder, por si só,
ser utilizada como instrumento de desclassificação da proposta.
Afirma Marçal Justen Filho:
“Discorda-se do
entendimento de que todas as hipóteses de inexeqüibilidade comportam tratamento
jurídico idêntico. Ao contrário, deve impor-se uma diferenciação fundamental,
destinada a averiguar se a proposta pode ou não ser executada pelo licitante,
ainda que seu valor seja deficitário. A questão fundamental não reside no valor
da proposta, por mais ínfimo que o seja – o problema é a impossibilidade de o
licitante executar aquilo que ofertou.
(...)
Não cabe à
Administração a tarefa de fiscalização da lucratividade empresarial
privada.(..)”
Cabe destacar que o posicionamento ora adotado encontra respaldo na Instrução Normativa nº
2/2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que, em seu
artigo 29, § 2º, estabelece que:
"a inexequibilidade dos
valores referentes a itens isolados da planilha de custos, desde que não
contrariem instrumentos legais, não caracteriza motivo suficiente para a
desclassificação da proposta". (Acórdão TCU nº 1.092/2010 – 2ª. Câmara)”
Brilhante
é a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que assim dispôs:
Há que se nortear pelo
entendimento, já comum no Tribunal, de que, estando o preço global no limite
aceitável, dado pelo orçamento da licitação, os sobrepreços existentes, devido
a falta de critérios de aceitabilidade de preços unitários, apenas causam
prejuízo quando se acrescentam quantitativos aos itens de serviço
correspondente (TCU. Acordão nº 1684/2003, rel. Min. Marcos Vilaça)
O mesmo
Tribunal vai mais além, recomendando que:
A conciliação do disposto
no § 3º do art. 44 da Lei 8666/93 com o inciso X do art. 40 da mesma lei, para
serviço outros que não os de engenharia, tratados nos §§ 1º e 2º do art. 48 da
lei 8666/93, impõe que a Administração não fixe limites mínimos absolutos de
aceitabilidade de preços unitários, mas que faculte aos licitantes a
oportunidade de justificar situação peculiar que lhes permita ofertar preços
aparentemente inexequíveis ou de questionar os valores orçados pela
Administração (acórdão 363/2007 – Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler).
E esta é
a clara disposição da lei de licitações que em seu artigo 48 determina que:
Art. 48. Serão
desclassificadas:
(...)
II - propostas com
valor global superior ao limite estabelecido ou com preços
manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter
demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos
dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de
produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições
estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação
Marçal Justen Filho,
analisando esta questão de sobrepreço no preço unitário quando o preço global é
adequado ao orçamento da Administração, pontificou:
Deve-se ter em vista,
quando muito, o valor global da proposta. É obvio que preenche os requisitos
legais uma proposta cujo valor global
não é excessivo, ainda quando o preço unitário de um dos insumos possa
ultrapassar valores de mercado ou registro de preços (e, mesmo, tabelamento de
preços). O conceito de excessividade é relativo, na acepção de que se
caracteriza em comparação a determinados padrões. Em tese, o ‘excesso’ se
verifica na disparidade entre a proposta e o preço de custo ou o preço de
mercado. Não se caracteriza como ‘excessivo’ o preço que ultrapassar o custo. O
sistema jurídico tutela e protege o direito ao lucro. O licitante não pode ser
constrangido a receber da Administração exatamente aquilo que lhe custará para
executar a prestação. Aliás, se fosse assim, a Administração não lograria
encontrar particulares interessados em contratar consigo. (in Comentários a Lei
de Licitações e Contratos Administrativos. Dialética. São Paulo, 12ª edição. Pp.599)
Mais uma
vez, é o Tribunal de Contas da União que vem ratificar os ensinamentos acima
cotejados:
Há que se distinguir os
graus de discrepância existentes entre os custos unitários ofertados pelos
licitantes e os custos unitários cotados pela Administração. Em uma licitação
onde o objeto é composto pela execução de vários serviços ... é evidente que
alguns deles apresentarão preços unitários acima dos fixados pela
Administração. O ponto, então, é saber a magnitude dessa diferença, e, ainda,
os seus reflexos sobre a execução. Nos casos em que a discrepância é razoável,
normal, não há de se falar em desclassificação de propostas. Não fosse assim,
quer dizer, qualquer sobrepreço em custos unitários autorizasse a das
propostas, seria difícil para a Administração obras de grande porte, formadas
pela execução de numerosos serviços. (TCU. Acórdão 159/2003. Plenário. Rel.
Min. Benjamin Zymler).
No mesmo
sentido:
É indevida a desclassificação, fundada em
interpretação extremamente restritiva do edital, de proposta mais vantajosa
para a Administração, que contém um único item, correspondente a uma pequena
parcela do objeto licitado, com valor acima do limite estabelecido pela
entidade
(...)
o relator apontou que a representante, apesar de ter apresentado proposta de
preços inferior à do primeiro colocado, fora desclassificada, por ter orçado um
único item preço unitário acima do limite estabelecido pelo DNIT – Lâmpada de
Multivapor Metálico elipsoidal, base E-40, potência de 400W, com fluxo luminoso
entre 31.000 e 35.000 lumens, IRC de 69 a 100%, temperatura de Cor entre 4.300
e 5.900 K e vida útil de 15.000 horas – o qual correspondeu à 0,01% do
orçamento base da licitação (...) a desclassificação da ora representante foi
indevida, por ter, com base em interpretação extremamente restritiva do edital,
contrariado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, resultando
na seleção de uma proposta menos vantajosa para a Administração, votou o
relator por que o Tribunal determinasse ao Dnit a adoção de providências no
sentido de tornar sem efeito a desclassificação da representante no âmbito da
Concorrência Pública n. 416/2010, e, posteriormente, desse prosseguimento ao
certame a partir dessa etapa, atentando para as correções a serem feitas nas
composições dos preços unitários apresentados pela referida empresa, o que foi
aprovado pelo Plenário. Precedente citado: Acórdão 159/2003, do Plenário. Acórdão
n.º 2767/2011-Plenário, TC-025.560/2011-5, rel. Min.-Subst. Marcos Bemquerer
Costa, 19.10.2011.
Há que
se ponderar que não é todo e qualquer sobrepreço em licitação que gera a
necessidade da desclassificação da proposta comercial, mas sim e tão somente
aquele sobrepreço que acarreta dano efetivo ao erário. Neste sentido, por mais
que haja um pequeno sobrepreço em um dos itens da planilha do licitante, se o
preço global do licitante, após o certame licitatório, estiver dentro do preço
estimado pela Administração clara é, não só a ausência de dano ao erário como,
pelo contrário, a existência de economia no preço do contrato quando analisado
como um todo.
Nas
palavras de Marçal Justen Filho, a planilha de preços unitária não se destina a
julgar as propostas segundo os preços unitários, mas verificar a sua seriedade
e exequibilidade. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. 12. Ed. São Paulo: Dialética, pp. 125).
Em assim
sendo, permitir a desclassificação de uma proposta comercial porque um dos
itens de sua planilha de custos está acima do que orçado pela Administração, mesmo
estando o valor da proposta global abaixo do orçamento da administração, é
concretizar a absurda hipótese de considerarmos mais importante e impactante
sobre a Administração um custo isolado do contrato do que o valor do contrato
como um todo propriamente dito o que, obviamente é um contrassenso.
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