Livros falados sobre licitação

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Licitação por preço unitário e global




Licitação por preço unitário e global 
 Licitação por preço unitário e global

Por Flavia Daniel Vianna e Ricardo Ribas Berloffa
 
O princípio da economicidade previsto no art. 3º, da Lei nº 8.666/93, estabelece que deve ser selecionada a "proposta mais vantajosa para a Administração".
Para Marçal Justen Filho "a economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos. (...) envolve o enfoque custo-benefício."  Já para Bugarin, a economicidade é a "obtenção do melhor resultado estratégico possível de uma determinada alocação de recursos financeiros, econômicos e ou patrimoniais em um dado cenário econômico."
Neste sentido, economizar nas compras públicas consiste em reduzir ao mínimo possível o custo dos recursos utilizados para desempenhar uma atividade a um nível de qualidade apropriado sem, contudo, restringir a liberdade empresarial da empresa que participa do certame, para que possa mensurar seus custos e pontos de lucro. Tudo na tentativa de escolher a melhor forma de empregar recursos que são sempre escassos, com a finalidade de obter o máximo de benefícios.

Nessa linha de entendimento, os preços públicos devem balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública, se compras, conforme art. 15, V, da Lei nº 8.666/93. Se execução de obras ou prestação de serviços, deve existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários, consoante art. 7º, II, da Lei nº 8.666/93, e que também, sejam aqueles praticados pelo mercado.
Importante considerar que a estimativa também tem por finalidade verificar se existem recursos orçamentários suficientes para o pagamento da despesa com a contratação, servir de balizamento objetivo para o ato de julgar as ofertas apresentadas na sessão e para a decisão da modalidade a ser adotada (se o objeto não for comum, quando deverão ser consideradas as modalidades da Lei nº 8.666/93, que possuem limitação valorativa no art. 23 de referida Lei).
De toda forma, quando a licitação se dá pelo preço global, os preços unitários devem ser utilizados apenas como indicadores da exequibilidade da proposta apresentada, servindo para apontar se algum dos itens da planilha foi relegado ou ignorado.
Assim, a exigência de planilha com a definição dos preços unitários não teria o condão de condenar à desclassificação da proposta que, tendo o preço global dentro da estimativa do mercado, possua algum de seus itens internos em valor acima da média de mercado, uma vez que esta definição interna de custos dentro da planilha integraria a liberdade de gestão econômica do preço por parte da empresa licitante. Os preços unitários, então, seriam importantes apenas para identificar as propostas inexequíveis, aqui consideradas como aquelas que não contemplassem todos os custos inerentes ao contrato, suprimindo ou minimizando alguns itens constantes da planilha.
Bem afirma Marçal Justen Filho que a questão fundamental não reside no valor da proposta, por mais ínfimo que o seja – o problema é a impossibilidade de o licitante executar aquilo que ofertou. Não cabe à Administração a tarefa de fiscalização da lucratividade empresarial privada.
É importante mencionar que a apresentação de planilha com detalhamento dos custos unitários e totais tem importância  dentro do contexto de avaliação da proposta, quando  se necessita da maior quantidade de informações possível para fundamentar sua análise a respeito da composição de custos desse item de despesa e, portanto, se realizam diligências solicitando a apresentação da planilha detalhada. Tal planilha possibilita a identificação, pela área técnica, dos valores cotados para esses materiais, como elemento auxiliar do processo de exame global da exequibilidade da proposta encaminhada, sem poder, por si só, ser utilizada como instrumento de desclassificação da proposta.
Afirma Marçal Justen Filho:
“Discorda-se do entendimento de que todas as hipóteses de inexeqüibilidade comportam tratamento jurídico idêntico. Ao contrário, deve impor-se uma diferenciação fundamental, destinada a averiguar se a proposta pode ou não ser executada pelo licitante, ainda que seu valor seja deficitário. A questão fundamental não reside no valor da proposta, por mais ínfimo que o seja – o problema é a impossibilidade de o licitante executar aquilo que ofertou.
(...)
Não cabe à Administração a tarefa de fiscalização da lucratividade empresarial privada.(..)”

Cabe destacar que o posicionamento ora adotado encontra respaldo na Instrução Normativa nº 2/2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que, em seu artigo 29, § 2º, estabelece que:

"a inexequibilidade dos valores referentes a itens isolados da planilha de custos, desde que não contrariem instrumentos legais, não caracteriza motivo suficiente para a desclassificação da proposta". (Acórdão TCU nº 1.092/2010 – 2ª. Câmara)

Brilhante é a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, que assim dispôs:

Há que se nortear pelo entendimento, já comum no Tribunal, de que, estando o preço global no limite aceitável, dado pelo orçamento da licitação, os sobrepreços existentes, devido a falta de critérios de aceitabilidade de preços unitários, apenas causam prejuízo quando se acrescentam quantitativos aos itens de serviço correspondente (TCU. Acordão nº 1684/2003, rel. Min. Marcos Vilaça)

O mesmo Tribunal vai mais além, recomendando que:

A conciliação do disposto no § 3º do art. 44 da Lei 8666/93 com o inciso X do art. 40 da mesma lei, para serviço outros que não os de engenharia, tratados nos §§ 1º e 2º do art. 48 da lei 8666/93, impõe que a Administração não fixe limites mínimos absolutos de aceitabilidade de preços unitários, mas que faculte aos licitantes a oportunidade de justificar situação peculiar que lhes permita ofertar preços aparentemente inexequíveis ou de questionar os valores orçados pela Administração (acórdão 363/2007 – Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler).


E esta é a clara disposição da lei de licitações que em seu artigo 48 determina que:
Art. 48.  Serão desclassificadas:
(...)
II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação

Marçal Justen Filho, analisando esta questão de sobrepreço no preço unitário quando o preço global é adequado ao orçamento da Administração, pontificou:

Deve-se ter em vista, quando muito, o valor global da proposta. É obvio que preenche os requisitos legais  uma proposta cujo valor global não é excessivo, ainda quando o preço unitário de um dos insumos possa ultrapassar valores de mercado ou registro de preços (e, mesmo, tabelamento de preços). O conceito de excessividade é relativo, na acepção de que se caracteriza em comparação a determinados padrões. Em tese, o ‘excesso’ se verifica na disparidade entre a proposta e o preço de custo ou o preço de mercado. Não se caracteriza como ‘excessivo’ o preço que ultrapassar o custo. O sistema jurídico tutela e protege o direito ao lucro. O licitante não pode ser constrangido a receber da Administração exatamente aquilo que lhe custará para executar a prestação. Aliás, se fosse assim, a Administração não lograria encontrar particulares interessados em contratar consigo. (in Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Dialética. São Paulo, 12ª edição. Pp.599)

Mais uma vez, é o Tribunal de Contas da União que vem ratificar os ensinamentos acima cotejados:

Há que se distinguir os graus de discrepância existentes entre os custos unitários ofertados pelos licitantes e os custos unitários cotados pela Administração. Em uma licitação onde o objeto é composto pela execução de vários serviços ... é evidente que alguns deles apresentarão preços unitários acima dos fixados pela Administração. O ponto, então, é saber a magnitude dessa diferença, e, ainda, os seus reflexos sobre a execução. Nos casos em que a discrepância é razoável, normal, não há de se falar em desclassificação de propostas. Não fosse assim, quer dizer, qualquer sobrepreço em custos unitários autorizasse a das propostas, seria difícil para a Administração obras de grande porte, formadas pela execução de numerosos serviços. (TCU. Acórdão 159/2003. Plenário. Rel. Min. Benjamin Zymler).

No mesmo sentido:
É indevida a desclassificação, fundada em interpretação extremamente restritiva do edital, de proposta mais vantajosa para a Administração, que contém um único item, correspondente a uma pequena parcela do objeto licitado, com valor acima do limite estabelecido pela entidade
(...) o relator apontou que a representante, apesar de ter apresentado proposta de preços inferior à do primeiro colocado, fora desclassificada, por ter orçado um único item preço unitário acima do limite estabelecido pelo DNIT – Lâmpada de Multivapor Metálico elipsoidal, base E-40, potência de 400W, com fluxo luminoso entre 31.000 e 35.000 lumens, IRC de 69 a 100%, temperatura de Cor entre 4.300 e 5.900 K e vida útil de 15.000 horas – o qual correspondeu à 0,01% do orçamento base da licitação (...) a desclassificação da ora representante foi indevida, por ter, com base em interpretação extremamente restritiva do edital, contrariado os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, resultando na seleção de uma proposta menos vantajosa para a Administração, votou o relator por que o Tribunal determinasse ao Dnit a adoção de providências no sentido de tornar sem efeito a desclassificação da representante no âmbito da Concorrência Pública n. 416/2010, e, posteriormente, desse prosseguimento ao certame a partir dessa etapa, atentando para as correções a serem feitas nas composições dos preços unitários apresentados pela referida empresa, o que foi aprovado pelo Plenário. Precedente citado: Acórdão 159/2003, do Plenário. Acórdão n.º 2767/2011-Plenário, TC-025.560/2011-5, rel. Min.-Subst. Marcos Bemquerer Costa, 19.10.2011.

Há que se ponderar que não é todo e qualquer sobrepreço em licitação que gera a necessidade da desclassificação da proposta comercial, mas sim e tão somente aquele sobrepreço que acarreta dano efetivo ao erário. Neste sentido, por mais que haja um pequeno sobrepreço em um dos itens da planilha do licitante, se o preço global do licitante, após o certame licitatório, estiver dentro do preço estimado pela Administração clara é, não só a ausência de dano ao erário como, pelo contrário, a existência de economia no preço do contrato quando analisado como um todo.

Nas palavras de Marçal Justen Filho, a planilha de preços unitária não se destina a julgar as propostas segundo os preços unitários, mas verificar a sua seriedade e exequibilidade. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. Ed. São Paulo: Dialética, pp. 125).

Em assim sendo, permitir a desclassificação de uma proposta comercial porque um dos itens de sua planilha de custos está acima do que orçado pela Administração, mesmo estando o valor da proposta global abaixo do orçamento da administração, é concretizar a absurda hipótese de considerarmos mais importante e impactante sobre a Administração um custo isolado do contrato do que o valor do contrato como um todo propriamente dito o que, obviamente é um contrassenso.


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