Livros falados sobre licitação

domingo, 6 de março de 2016

Habilitação licitação

REGISTRO DE ATESTADOS DE CAPACIDADE TÉCNICA NAS ENTIDADES PROFISSIONAIS COMPETENTES – QUANDO A EXIGÊNCIA É LEGAL OU ILEGAL? 

Por: 
Flavia Daniel Vianna 

Na etapa de habilitação em licitações, a Administração verifica a documentação das licitantes visando apurar a idoneidade e capacitação do sujeito que será contratado. Nesta fase são avaliados os documentos relativos ao futuro contratado, pessoa física ou jurídica, e não os aspectos atinentes à proposta (uma vez que a proposta refere-se ao objeto, e é analisada em fase apartada, de classificação e julgamento de propostas). Nos artigos 27 a 31 da Lei 8.666/93 encontramos o rol de documentos possíveis de serem exigidos em licitações.  
O art. 27 da Lei nº 8.666/93 determina que: 


Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: 
I - habilitação jurídica; 
II - qualificação técnica; 
III - qualificação econômico-financeira; 
IV – regularidade fiscal e trabalhista;    (Redação dada pela Lei nº 12.440, de 2011)  (Vigência) 

Portanto, um dos requisitos a serem verificados na etapa habilitatória, refere-se à Capacitação ou Qualificação técnica dos licitantes, na qual se analisa a aptidão técnica, prática e teórica do licitante para a execução daquele objeto licitado. Essa qualificação técnica poderá ser exigida tanto da sociedade (pessoa jurídica) quanto dos profissionais, dividindo-se na seguinte classificação: 

  1. Capacidade técnico-operacional: capacidade atinente à pessoa jurídica, à sociedade que será contratada. Aqui são exigidos requisitos que comprovem que a pessoa jurídica realizou, anteriormente, objeto similar ao licitado. 
  1. Capacidade técnico-profissional: capacidade dos profissionais que irão executar o objeto. Esses profissionais são aqueles que integram o quadro da pessoa jurídica que será contratada. É importante destacar que tais profissionais integram os quadros da empresa como sócio, empregado ou ainda, como contratado por intermédio de contrato de prestação de serviços.  

É o art. 30, seus incisos e parágrafos, da Lei 8.666/93, que disciplinam a documentação possível de ser exigida no que se refere a qualificação técnica. Dentre estes requisitos, destacamos o que interessam ao presente trabalho: 

Lei nº 8.666/93: 
Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: 
I - registro ou inscrição na entidade profissional competente; 
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; 
(...) 
§ 1o  A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a:(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) 
I - capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos; (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994) 

Ocorre que, diariamente, podem ser observados instrumentos convocatórios para os mais variados tipos de serviços, exigindo dos licitantes “atestados de capacidade técnica registrados na entidade profissional competente”. Tal exigência somente é lícita se dois requisitos forem atendidos: 1º) A atividade objeto da licitação e do futuro contrato deve corresponder a profissão regulamentada e; 2º) O conselho responsável pela fiscalização dessa atividade deve manter controle sobre cada atuação realizada e informada para obtenção do registro no atestado.  
O primeiro requisito de ordem lógica acopla-se ao teor do inc. I do art. 30 da Lei 8.666/93, que dispõe sobre “registro ou inscrição na entidade profissional competente”, exigência esta que apenas poderá ser feita no instrumento convocatório se a atividade do objeto licitado referir-se a profissão regulamentada, quando há necessidade de registro das empresas e profissionais no ramo de atuação. É o que acontece com atividades referentes a profissões regulamentadas como advocacia (cujo Conselho de Fiscalização é a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB), engenharia (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia - CREA), administração (sendo o Conselho Regional de Administração – CRA o responsável pela fiscalização dos administradores), dentre outros. 
 Portanto, a Administração na confecção do edital precisa, primeiramente, verificar se a atividade a ser contratada é profissão regulamentada que exige o registro em entidade profissional competente como OAB, CREA, CRA etc e, então, trazer expressamente no instrumento convocatório qual é a entidade profissional competente para o registro daquela atividade (e não, como comumente ocorre, fazer a exigência de forma genérica),  dispondo em qual Conselho de Fiscalização profissional deverá ser apresentado o registro ou inscrição.  
Após a primeira verificação, voltando a questão do registro dos atestados de capacidade técnica, a Administração deverá verificar se a entidade profissional competente, isto é, os Conselhos de Fiscalização profissionais efetivamente efetuam registro de atestados de capacidade técnica. Nesse ponto é necessário, se for o caso, diligenciar junto aos Conselhos para conseguir tal informação. Mas não só isso. Recentemente, o Tribunal de Contas da União no informativo de Licitações e Contratos n° 246 de junho de 2015, trouxe claríssimo entendimento, no sentido que o registro de atestados de capacidade técnica somente podem ser exigidos se existir legislação aplicável à atividade prevendo que o Conselho de Fiscalização profissional mantenha controle sobre cada atuação realizada : 

Acórdão 1452/2015-Plenário, TC 028.044/2014-2, relator Ministro Marcos Bemquerer, 10.6.2015:  
Somente é lícito exigir que o atestado de capacidade técnica seja visado, reconhecido, autenticado ou averbado pelo conselho de fiscalização profissional se a legislação especial aplicável à atividade em questão previr que a entidade de fiscalização mantenha controle individualizado sobre cada trabalho realizado. O edital da licitação não pode conter exigências de habilitação técnica que não guardem correspondência com o regramento próprio da atividade demandada, sob pena de criar restrição arbitrária e indevida à participação de potenciais interessados. 
Em Representação formulada por sociedade empresária sobre pregão eletrônico promovido pelo 16º Batalhão de Infantaria Motorizado (Natal/RN), destinado ao registro de preços para contratação de serviços de desinsetização, desratização e descupinização, a representante questionara a sua desclassificação no certame, motivada pela “ausência de averbação dos atestados de capacidade técnica pelos conselho de fiscalização profissional ao qual está vinculado a empresa licitante,  com potencial prejuízo acaso efetivada a contratação da empresa vencedora do certame por preços 65% superiores ao ofertado pela empresa inabilitada”. Realizadas as oitivas regimentais, a unidade técnica rejeitou as justificativas apresentadas ressaltando que “diferentemente das obras e serviços de engenharia, para os quais a legislação específica impõe a Anotação de Responsabilidade Técnica - ART junto ao respectivo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia - CREA, nas atividades de desinsetização, desratização e descupinização não existe a previsão de controle, pela entidade de classe, de cada trabalho a ser realizado”, e que “as empresas que lidam com essa atividade não estão vinculadas a um conselho único”. O relator endossou o entendimento da unidade instrutiva acerca da ilegalidade da exigência de averbação de atestado de capacidade técnica para os serviços em questão, destacando que “para aferir a validade dos requisitos técnicos para participação em licitações, é necessário verificar não só se eles são compatíveis com as características, quantidades e prazos pretendidos para o objeto da licitação, como determina diretamente o art. 30, inciso II, da Lei de Licitações, mas também se têm amparo nas normas específicas que disciplinam a atividade na qual esse objeto se insere (...). Contudo, na maior parte das atividades ou profissões regulamentadas, inexiste previsão normativa para o registro, no conselho de fiscalização profissional, da responsabilidade técnica sobre cada trabalho realizado. A fiscalização não contempla controle do acervo de seus filiados. Nesses casos, ao se exigir em edital que o conselho profissional autentique o atestado de capacidade técnica emitido por terceiros, cria-se uma forma de prova de fato jurídico não albergada na norma geral contida no art. 212 do Código Civil nem em lei especial que discipline o funcionamento dessas entidades e o relacionamento com seus os associados”. Citou ainda o relator doutrina no sentido de que “a alusão ao profissional ser ‘detentor de atestado de responsabilidade técnica’ deve ser interpretada em termos. Essa construção literal se refere, claramente, a profissionais do setor de engenharia civil e arquitetura. Deve-se reputar cabível, quanto a serviços de outra natureza, a exigência de comprovação de responsabilidade técnica na modalidade cabível com a profissão enfocada (...). Logo, não há cabimento em subordinar a prova do exercício de um serviço (que não caracterize atividade de engenharia) ao registro da declaração no órgão de fiscalização”. (Marçal Justen Filho in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, p. 439). Considerando a inexistência de previsão normativa para a anotação de responsabilidade técnica dos serviços pretendidos, o Tribunal, pelos motivos expostos pelo relator, decidiu fixar prazo para a anulação do certame, determinando ainda, no ponto, que o órgão “abstenha-se de incluir no edital exigências não albergadas expressamente pelas normas de licitação ou pela legislação especial aplicável à atividade na qual se insere o objeto licitado”.  

Observem que, no caso concreto referido no Acórdão, o TCU decidiu pela anulação da licitação que exigiu a averbação dos atestados de capacidade técnica referente a atividades de desinsetização, desratização e descupinização, sendo que inexiste qualquer legislação impondo o controle e fiscalização da entidade profissional competente para cada trabalho realizado nesta atividade. A exigência ilegal levou o TCU a conceder prazo para a anulação da licitação.  
Portanto, os agentes públicos responsáveis pela elaboração do instrumento convocatório, bem como os agentes responsáveis pela licitação, devem redobrar os cuidados de forma a não permitir exigências irregulares nos editais, sob pena de nulidade da licitação, sem prejuízo de sanções cabíveis aos agentes responsáveis pelas irregularidades, de forma que apenas seja solicitado o registro de atestados de capacidade técnica junto a entidades profissionais competentes que, efetivamente, mantenham controle e fiscalização de cada atuação/trabalho realizado, como ocorre no caso de obras e serviços de engenharia referente aos atestados de capacidade técnico-profissional junto aos CREAs 
Nesse sentido, Marçal Justen Filho professou entendimento de que “a engenharia é a única profissão que exige que o sujeito comunique cada atuação á entidade profissional” e “o Crea acompanha cada prestação de serviço de engenharia e dispõe de condições de verificar se a declaração corresponde à verdade. Por decorrência, tem de interpretar-se a exigência de registro como limitada ao exercício da atividade de engenharia (em sentido amplo)”.1


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